quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Folhagens

Hoje estive pensando em fazer um livro, então porque não postar em um blog? Comecei agora, divirtam-se. ;D


O vento era frio, as casas pareciam brinquedos descartados por crianças egoístas, aqueles estáticos embaixo da cama, esperando que alguém os utilize, a paisagem era mórbida. E o Sol? Bem, o Sol havia desaparecido há muito tempo para todos que ali viviam. Era tudo minuciosamente calculado, rápido e sensato. As folhas acompanhavam o rumo metódico da vida.

Ali estava ele, o menino que tudo via, com sua blusa vermelha, calção bege, tênis sujo e velho com o cadarço desamarrado, cabelo despenteado, unhas sujas e encardidas, pele maltratada e olhos inchados de um pranto que parecia não haver fim. Observava a última gota de orvalho da manhã que caía de uma minúscula planta verde-lodo, parecia insignificante, estabelecia rápidas analogias, mas quem se importa? Era apenas um menino em um frio vilarejo.

Uma voz estridente ecoava, era sua mãe, o chamava para executar seus afazeres domésticos. O garoto invejava seus vizinhos, todos iam à escola, menos ele, tinha que se dedicar àquele cárcere desejando avidamente dias de Sol. Limpava o piso de porcelanato que havia sido sujo propositalmente, esfregava o pano de veludo nas janelas de vidro emoldurado com madeira nobre. Lavava toda a louça da casa, um presente de casamento dos seus avós paternos. Era tudo bem limpo e cuidado, todo esse zelo era falso, apenas evitava a pior parte do dia.

Subiu a escada vagarosamente, tentava não fazer barulho algum, cansado, tinha que limpar o andar de cima, mas o pior ainda não era isso... O relógio era barulhento, era cinco horas e trinta e cinco minutos, o exato momento em que seu padrasto acordava. Por ironia do destino, havia esquecido de deixar seu despertador ligado. Andou cautelosamente, abriu a porta que parecia falar, o odor da bebida se exalava por todos os cantos. Seu ‘responsável’ estava bêbado, era melhor assim.

Silenciosamente esfregou cada cantinho do quarto, tirava as garrafas de vinho, e limpava o vomito disperso. Tirou as roupas sujas jogadas no armário branco-gelo, de repente uma perturbação na rua, de som irritante chama sua atenção, curioso, levanta-se e espia em uma brecha da veneziana. Sua vizinha estava discutindo com seu marido, ele já deveria saber, passou a vida inteira ali ouvindo discussões rotineiras. Era tarde demais, seu padrasto havia acordado ainda bêbado. O menino assustado sente a mão quente acariciando seu ombro.

Enojado, tem que se render aos gostos cruéis. As folhas no seu quintal faziam um triste balé de outono, as arvores já estavam secas.


(Continua)

3 comentários:

Pedro Sombra disse...

pedrosombra_8@hotmail.comNossa! Muito bom.... porém, muito triste..

Heikitow disse...

Como sempre, continua escrevendo maravilhosamente bem, sempre atenta aos mínimos detalhes, ao vazio do espaço... Nunca deixando de lado a parte ruim da vida, que em todos os livros, é tratada como algo perfeito, mas pelo que aqui eu li, nos textos que você escreve, vejo você.. mostrando o que realmente acontece por trás das cortinas de uma encenação de vida perfeita.

p e r f e c t

Meus parabéns.

Catarina Corso disse...

Obrigada